O Brasil está vivendo um dos momentos mais delicados da sua história recente. Sob o pretexto de “proteger prerrogativas parlamentares”, o Congresso Nacional está conduzindo, a passos largos, a aprovação da chamada PEC da Blindagem. Não por acaso, ela já ganhou entre especialistas, jornalistas e cidadãos o apelido de “PEC da Bandidagem”. Este salvo conduto pode se estender para as Assembléias Legislativas e Câmara Municipais. Porque menciono este fato, porque uma PEC – Projeto Emenda Constituição.
A proposta cria um verdadeiro salvo-conduto para parlamentares, transformando o Congresso em uma casa de intocáveis, onde deputados e senadores só poderão ser processados, investigados ou presos se os próprios colegas de Casa autorizarem.
Em outras palavras: o juiz natural deixa de ser o Judiciário e passa a ser o corporativismo político.
O salvo-conduto institucionalizado
Um dos pontos mais chocantes da PEC é o bloqueio prévio à Justiça: qualquer ação penal contra parlamentares só poderá tramitar se houver aprovação da Câmara ou do Senado. Isso significa que mesmo crimes hediondos como estupro, violência doméstica ou corrupção em larga escala ficam submetidos à permissão política, e não à lei.
Esse mecanismo equivale a dar o direito ao criminoso de escolher se quer ou não ser julgado. A vítima, nesse cenário, é duplamente violentada: primeiro pelo crime, depois pela impossibilidade de buscar justiça. Exemplo: Se o parlamentar estrupar a companheira, a vitima pode fazer o BO, mais vai ver o seu agressor impune, pois a justiça nada poderá fazer, somente o parlamento pode autorizar que se faça aplicabilidade da justiça.
O Congresso como abrigo dos intocáveis a criação da facção criminosa.
Atualmente, 34 deputados federais já respondem a ações no Judiciário, e vários outros são investigados pela Polícia Federal.
Muitos desses casos envolvem corrupção, abuso de poder e má gestão de recursos públicos. Em vez de criar mecanismos de transparência, o Congresso aprova regras que ampliam a blindagem e dificultam o trabalho de investigadores e juízes.
A consequência prática é clara: o Parlamento deixa de ser a casa do povo e passa a se consolidar como a casa da autoproteção ou a mais perigosa facção criminosa, um abrigo para criminosos de colarinho branco pagos com dinheiro público.
As emendas PIX e o histórico de crimes contra aposentados
Um dos setores mais afetados pela impunidade é o das emendas parlamentares, especialmente as chamadas “emendas PIX”, usadas sem rastreabilidade adequada e já sob suspeita de desvio. Essa modalidade virou terreno fértil para práticas ilícitas. A pergunta que fica o recurso vai para a entidade ou para o parlamentar?
Outro exemplo está nos crimes contra aposentados e pensionistas, que desde o governo Temer se tornaram um verdadeiro escândalo. No governo Bolsonaro, o problema explodiu, sobretudo após o então ministro da Economia, Paulo Guedes, responder a um deputado federal de Santa Catarina do Partido PL que caberia ao próprio aposentado provar que não autorizou descontos indevidos. Na prática, o Estado passou a colocar a vítima como responsável por comprovar o crime, abrindo espaço para o crescimento da fraude.
Agora, com a PEC da Blindagem, quem autorizaria ou bloquearia essas investigações seriam os próprios beneficiários do esquema. É como se o acusado passasse a decidir se quer ser julgado ou não.
O conflito com o STF e a democracia
Outro ponto crítico é a usurpação do papel do Judiciário. Ao transferir para o Legislativo a decisão de autorizar processos ou prisões, a PEC gera choque institucional com o Supremo Tribunal Federal. O STF pode até declarar trechos da proposta inconstitucionais, mas até lá o estrago estará feito: investigações paralisadas, processos engavetados e a sensação de que o crime compensa quando praticado dentro da política.
Isso significa um retrocesso institucional, pois ataca pilares da Constituição: a separação de poderes, a isonomia perante a lei e a responsabilidade dos agentes públicos.
Os pontos mais polêmicos
- Risco de impunidade – investigações ficam sujeitas à autorização política.
- Voto secreto – esconde da sociedade como cada parlamentar vota sobre processar ou não colegas.
- Fortalecimento do foro privilegiado – amplia proteção a presidentes de partidos.
- Obstáculo a prisões preventivas – cria dificuldades para ações urgentes.
- Conflito com o STF – gera embates institucionais e ameaça a ordem constitucional.
- Desconexão com o interesse público – protege políticos em vez de defender o cidadão.
- Retrocesso democrático – rompe com princípios de igualdade, transparência e justiça.
Conclusão: a liga da bandidagem
Ao invés de ser o espaço da representação popular, o Congresso arrisca se transformar em uma liga da bandidagem institucionalizada, blindando criminosos com mandato e garantindo que a lei não os alcance.
Se aprovada em definitivo, a PEC não apenas fragiliza a democracia, mas cria um sistema de castas políticas intocáveis, capazes de agir com a certeza da impunidade. É a consagração da máxima: “faça o que quiser, desde que tenha mandato parlamentar”.
O que está em jogo não é apenas uma mudança regimental ou técnica: é o próprio futuro da democracia brasileira e a confiança da população em suas instituições.
A incapacidade do presidente do Parlamento, Hugo Motta, em um momento de extrema fragilidade da soberania e do sistema democrático, expõe o risco que o país atravessa. O Parlamento está sendo conduzido por um político dúbio, cujas ações e escolhas refletem mais conveniência do que compromisso com os valores republicanos. Ao reescrever a própria trajetória política, coloca-se na história como um dos mais antidemocráticos líderes já presentes na vida pública brasileira.
Com a abertura para a chamada PEC da Bandidagem, Hugo Motta não apenas chancela a impunidade, como também se projeta como o grande articulador de uma facção institucionalizada dentro do Parlamento — uma facção que, sob o manto da legalidade, ameaça corroer as bases do Estado democrático de direito.